Na obra “Ensaio sobre a cegueira”, do escritor português José Saramago, é utilizado o termo “cegueira branca” para referir-se a nação que finge não enxergar os problemas presentes em seu meio social. Para além da literatura, a crítica do autor é verificada na falta de acesso aos meios digitais nas áreas rurais do Brasil, uma vez que o corpo social não se interessa muito em seus debates. Dessa maneira, torna-se premente analisar fatos causadores do fortalecimento desta problemática, a exemplo da inoperância estatal e da desigualdade estrutural presente na sociedade brasileira.
Diante desse cenário, nota-se a falta de atuação governamental como fator potencializador da inacessibilidade de muitos indivíduos residentes no espaço rural ao mundo virtual. A partir disso, confirma-se a perspectiva do sociólogo polonês Zygmunt Bauman a respeito do mau funcionamento das instituições políticas, a qual revela que, apesar de presentes, não cumprem sua função social com eficácia. Nesse sentido, observa-se que, a partir da ausência de ações das autoridades, um cenário de isolamento dessa população se perpetuou, fazendo com que não lhes fosse possível acompanhar o processo de digitalização dos indivíduos residentes na área urbana. Logo, torna-se clara, por dedução analítica, a potencial relação entre a ausência de inclusão digital no meio rural e a inoperância do Estado.
Ademais, é válido ressaltar que o fenômeno patológico supracitado é instigado pelas relações sociais desiguais enraizadas no país. Sob essa visão, o escritor e jornalista Barão de Itararé diz que “os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes”, por isso, pode-se perceber a existência de uma desigualdade no que tange a inclusão digital. Isso porque a população urbana é privilegiada em relação a inserção neste mundo virtual, com os melhores serviços a seu dispor, tanto pela eficiência quanto pelo orçamento financeiro, já a rural carece deste serviço, desencadeando uma série de consequências negativas no que se refere a efetividade de direitos e exercício da cidadania. Evidencia-se, assim, a desigualdade como motivadora da ausência da sociedade rural em meios tecnológicos.
Portanto, infere-se a necessidade de se combater a falta de acesso aos meios digitais no meio rural brasileiro. Dessarte, o Poder Executivo federal, ente político responsável pela administração nacional, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, devem realizar programas que ampliem o acesso aos instrumentos digitais para a sociedade residente em zona não urbana, seja de modo indireto, como ações de incentivo às empresas que ofertem serviços desta natureza, ou direito, como distribuição gratuita destes instrumentos, visando incluir, cada vez mais, o mundo virtual nas áreas rurais. Desse modo, não haverá mais uma “cegueira branca” presente na realidade brasileira, como exposto por Saramago.