Em sua obra “Ensaio sobre a cegueira”, o escritor português José Saramago descreve uma cidade fictícia na qual, paulatinamente, as pessoas vão ficando cegas. Na trama, o autor usa dessa alegoria para criticar a falta de altruísmo e cooperação no mundo contemporâneo, no qual os indivíduos se preocupam cada vez menos com o bem-estar coletivo. Ao transpor a obra e analisar a atua conjuntura brasileira, percebe-se que a obra exemplifica a realidade vivenciada no país, uma vez que os desafios para a promoção da cultura de adoção não recebem a devida atenção no território nacional. Nesse sentido, deve-se analisar como a negligência estatal e a falta de educação qualitativa impulsionam tal problemática, com o intuito de solucioná-la.
Diante desse cenário, nota-se a inoperância governamental como fator agravante à não promoção da cultura de adoção no Brasil. Segundo o geógrafo Milton Santos, em seu texto “Cidadanias mutiladas”, os cidadãos alcançam a plena eficácia quando têm os direitos do corpo social, em sua totalidade, homogeneamente desfrutados. Todavia, no contexto hodierno, a passividade do Estado distancia a população negligenciada dos direitos constitucionalmente garantidos, à medida que crianças e adolescentes perdem a esperança num futuro com uma família e casais têm seu sonho de adotar anulados. Desta forma, enquanto a máquina pública negligenciar suas responsabilidades, o problema perdurará e os direitos dos cidadãos continuarão a ser mutilados de forma sistemática.
Ressalta-se, ademais, a ausência de uma educação que valorize tal cultura potencializa esse cenário. Nesse viés, segundo Kant, o ser humano é fruto da educação que recebe. Desse modo, percebe-se o quanto a sociedade, que nasce de uma educação sem qualidade, acaba por desprezar esses problemas e excluir tais grupos: os que estão disponíveis à adoção e os que querem adotar. Em decorrência disso, mantém-se o quadro de ausência d ações sociais efetivas, no que tange a reversão desse contexto, fragilizando, assim, a cidadania plena no país. Dessa forma, é imprescindível combater a escassez de educação, visto que é uma das causas principais dos desafios à promoção da cultura de adoção.
Diante de tal exposto, vê-se a urgência de propostas governamentais que alterem esse quadro. Portanto, o Estado — em sua função de promotor do bem-estar social — promover educação que exponha os valores e benefícios da cultura de adoção, por meio de ensino escolar, seja público ou privado, e palestras públicas. Tal ação, terá como finalidade erradicar as dificuldades da promoção da cultura de adoção. Assim, à luz da perspectiva de Saramago, poderemos atenuar a cegueira moral que permeia essa questão.