No discurso feito durante a promulgação da Constituição Federal de 1988, o deputado federal Ulysses Guimarães ressaltou a importância da Carta Magna para assegurar à população os seus direitos básicos, como o direito à igualdade, previsto no Artigo 5°. Entretanto, no cenário contemporâneo, percebe-se a deturpação das premissas constitucionais no que tange aos desafios para a valorização da herança africana no Brasil, haja vista que as causas desse panorama antagônico advém de falhas de atuação do poder público, como também da indiferença do aparato comunitário, que configuram-se como os dois principais fatores catalisadores do revés na conjuntura nacional. Dessa forma, faz-se imprescindível a discussão desses aspectos, a fim do pleno funcionamento da sociedade.
Nesse contexto, é lícito mencionar a displicência estatal como fator primordial para a existência desse cenário impropério, e consequente descompasso do meio coletivo. Segundo pensamento do filósofo contratualista inglês John Locke, "é dever do Estado garantir os direitos básicos do cidadão, como forma de atingir o equilíbrio social". Sob essa óptica, pode-se afirmar que o poder público não atua de forma efetiva na garantia dos direitos fundamentais da população afrodescendente no Brasil, como previsto na Carta Magna de 1988, o que contribui de modo significativo para a ampliação da falta de conhecimento a respeito da contribuição de protagonistas pretos para a construção da história do país, e à redução do pluralismo cultural, a título de ilustração. Isso afeta substancialmente o público supramencionado, na medida em que estes veem-se cada vez mais às margens da proteção das leis. Diante disso, faz-se imperioso a mudança de postura da máquina pública, para que seja possível alcançar a resolução do óbice.
Outrossim, é válido destacar a apatia social como peça-chave que colabora para a perpetuação do obstáculo na sociedade brasileira. A filósofa alemã Hannah Arendt cunhou o termo "banalidade do mal", segundo o qual as pessoas, devido à exposição constante a situações extremas, tendem a tratá-la com naturalidade, deixando de abordar a urgência do problema. Sob esse prisma, é possível relacionar o pensamento da filósofa com o comportamento do corpo social perante o processo de desvalorização da herança africana no Brasil, uma vez que prevalece a crença social de enaltecimento da cultura luso-europeia em detrimento das manifestações e saberes socioculturais de comunidades originárias, o que muitas das vezes resulta na intolerância religiosa, situação esta comumente enfrentada pelos afrodescendentes brasileiros. Mediante o exposto, é de relevância inquestionável a mudança de conduta do corpo comunitário, para que se possa suprimir as consequências do impasse no cenário hodierno.
Portanto, diante dos argumentos supracitados, urge destacar a necessidade de atuação do Poder Judiciário em conjunto com o aparato social brasileiro, para resolução da problemática. Com a elaboração de campanhas publicitárias, que deverão ser veiculadas por meio de parcerias com empresas de telecomunicação ou até mesmo através de canais oficiais do governo, contendo informações sobre os direitos fundamentais da população afrodescendente, com vista a assegurar a preservação da memória cultural africana no país, enquanto o conjunto civil deve comprometer-se a divulgar e discutir os impactos da desvalorização de protagonistas pretos na perda de pluralidade histórico-cultural nacional. Desse modo, o problema relacionado aos desafios de valorização da herança africana no Brasil será amenizado, e o cumprimento das premissas da Carta Magna, ressaltada por Ulysses Guimarães, corroborará para um cenário mais harmônico na Nação Auriverde.