Em sua obra "Ensaio sobre a cegueira", o escritor português José Saramago descreve uma cidade fictícia na qual, paulatinamente, as pessoas vão ficando cegas. Na trama, o autor usa dessa alegoria para criticar a falta de altruísmo e cooperação no mundo contemporâneo, em que os indivíduos se preocupam cada vez menos com o bem-estar coletivo. Ao transpor a ficção e analisar a atual conjuntura brasileira, percebe-se que a obra exemplifica a realidade vivenciada no país, uma vez que a satisfação integral da mulher madura no Brasil é uma condição que não recebe a devida atenção no território nacional. Nesse contexto, deve-se analisar como a negligência estatal e o comprometimento da autoestima impulsionam tal problemática, com o intuito de solucioná-la.

Diante desse cenário, nota-se a inoperância governamental como fator responsável pela invisibilidade do bem-estar feminino na terceira idade. De acordo com o geógrafo Milton Santos, em seu texto "As cidadanias mutiladas" a cidadania atinge a plenitude de sua eficácia quando os direitos do corpo social, em sua totalidade, são homogeneamente desfrutados. Todavia, no contexto hodierno, a passividade do estado distancia as mulheres maduras dos direitos constitucionalmente garantidos, à medida que o envelhecimento e o bem-estar deveriam caminhar lado a lado.

Ressalta-se, ademais, que a autoestima prejudicada potencializa esse cenário. Nesse viés, no filme "Paraíso" uma empresária renomada compra o tempo de vida das pessoas para rejuvenescer seu próprio corpo. Obstante à obra, ao observar a realidade atual, é importante pontuar que as mulheres necessitam de apoio para enfrentar toda a transição entre idade reprodutiva e o climatério para garantir que sua autoestima seja preservada. Em decorrência disso, mantém-se o quadro de ausência de ações sociais efetivas no que tange à reversão desse contexto, vulnerabilizando com isso a cidadania plena no país. Dessa forma, é imprescindível combater a fragilidade da autoestima, visto que é uma das causas fundamentais do problema.

Portanto, denota-se a urgência de propostas governamentais que alterem esse panorama. Por conseguinte, cabe ao Estado- em sua função de promotor do bem-estar social- realizar a ampliação de centros sociais urbanos que além de trabalhar com atividades culturais, atuem com profissionais de psicologia, mediante dotes estatais. Tal ação terá como finalidade ajudar as mulheres em terceira idade ou em processos de envelhecimento a lidar com as próprias mudanças corporais, além de garantir uma rotina social. Assim, à luz da perspectiva de Saramago, poderemos mitigar a cegueira moral que permeia essa questão.