Brás Cubas, o defunto-autor de Machado de Assis, diz em suas "memórias póstumas" que não teve filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Talvez hoje, ele percebesse acertada essa decisão: a postura do Estado e de muitos brasileiros diante o trabalho de cuidado não remunerado e sua ligação com a desigualdade social, é uma das faces mais cruéis de uma sociedade em desenvolvimento.
Em primeiro plano, deve-se ressaltar a ausência de medidas governamentais para auxiliar no cuidado de pessoas com deficiências físicas e mentais, que estão em situação de pobreza. Segundo o pensador Thomas Hobbes, o estado é responsável por garantir o bem-estar da população, entretanto, isso não ocorre com eficiência no Brasil, tendo em vista que muitas crianças e idosos que necessitam de um cuidado especial, têm apenas a própria família para recorrer. Com isso, é fundamental a reformulação dessa postura estatal de forma urgente.
Somado a isso, vale destacar que esse trabalho de amparo é destinado, quase que exclusivamente, às mulheres e meninas da família, afetando assim seu tempo para estudar, trabalhar de forma remunerada e fazendo-as esquecer do auto cuidado. Logo, é inadmissível que esse cenário continue a perdurar.
Por fim, diante dos desafios mencionados, é necessária a ação conjunta do estado e da sociedade para mitigá-los. Cabe ao poder público criar programas que auxiliem essas famílias mensalmente, seja com ajuda de custos ou disponibilizando profissionais da área de assistência e cuidado, para irem até suas casas, para que os outros membros da família não fiquem estagnados socialmente. Desta maneira, a decisão de Brás Cubas será mais questionada que aplaudida, pois o nosso legado não estará relacionado à miséria.