Na obra “Olhos d'Água”, da escritora Conceição Evaristo, são retratados diversos contos sobre diferentes personagens negros. Durante as narrativas, destaca-se a perpetuação do passado violento sofrido pelos africanos e seus descendentes na sociedade brasileira, como o trabalho forçado e a exploração sexual. Fora da ficção, essa triste realidade vivida pelos protagonistas do livro não difere da realidade vivenciada por milhões de negros e negras no Brasil, haja vista a desvalorização da herança africana nas escolas e universidades brasileiras. Sendo assim, valores culturais preconceituosos e a negligência do sistema de ensino são motivos pelos quais ainda há uma violência histórica sofrida pela comunidade preta.

Primeiramente, vale salientar que a abolição tardia da escravidão no Brasil reflete uma sociedade que ainda não abandonou por completo os ideais etnocêntricos europeus. Consequentemente, casos de discriminação racial contra a população negra ainda são recorrentes no país conhecido por sua diversidade cultural, fato que acarreta na desvalorização dessa minoria. Diante disso, usando como ponto de partida as ideias do sociólogo Michel Foucault, tal realidade pode ser explicada pelo fato de que os valores culturais da sociedade são mantidos a fim de fortalecer o “status quo”. Nesse sentido, o histórico de exploração de africanos no Brasil e a manutenção de uma população majoritariamente branca no poder são causas diretas do desinteresse dos brasileiros em conhecer as origens africanas da sociedade. Logo, o fim do etnocentrismo é um passo fundamental para a devida valorização das heranças negras no Brasil.

Além disso, a Constituição de 1988 garante que todos os cidadãos brasileiros devem ter acesso a uma educação digna e de qualidade. Todavia, o fato de que a maioria das escolas se limitarem a tratar apenas da violência sofrida pelos negros durante a colonização, e não da cultura dos africanos em si, demonstra uma negligência do sistema educacional com a própria Constituição e com o contrato social. Esse contrato, para o filósofo Thomas Hobbes, acontece no momento em que os indivíduos abrem mão de suas liberdades ao Estado em troca de direitos básicos de cidadania, como uma educação completa, algo que não acontece no Brasil. Portanto, a visão limitada das escolas brasileiras sobre a herança africana é uma das razões da manutenção de uma sociedade que apenas enxerga a violência e não a diversidade cultural das comunidades negras espalhadas pela nação.

Em suma, para solucionar os desafios da valorização da herança africana no Brasil e evitar que a ficção de Evaristo se torne realidade, cabe ao Ministério da Cultura, responsável por políticas culturais, combater os valores culturais racistas da sociedade. Isso pode ser feito por meio de ações parlamentares que envolvam, em detalhe, a criação de campanhas publicitárias, com a finalidade de expor as culturas diversas da comunidade negra e, assim, acabar com o etnocentrismo europeu. Ademais, é imperativo que o sistema educacional, em conjunto com o Governo Federal, acabe com a visão limitada sobre o passado negro nas escolas, ampliando a cultura africana no ensino.