Em sua obra "Ensaio sobre a cegueira", o escritor português José Saramago descreve uma cidade fictícia na qual, paulatinamente, as pessoas vão ficando cegas. Na trama, o autor usa dessa alegoria para criticar a falta de altruísmo e cooperação no mundo contemporâneo, onde os indivíduos se preocupam cada vez menos com o bem-estar coletivo. Ao transpor a ficção e analisar a atual conjuntura brasileira, percebe-se que a obra exemplifica a realidade no país, uma vez que a carência da moralidade ética nacional representa um problema que não recebe a devida atenção no território nacional. Nesse contexto, deve-se analisar como a negligência estatal e o silenciamento social impulsionam tal problemática, no intuito de solucioná-la.
Diante desse cenário, nota-se a inoperância governamental como fator agravante da carência da moralidade ética nacional. Consoante o geógrafo Milton Santos, em seu texto "As Cidadanias Mutiladas", a cidadania atinge a plenitude de sua eficácia quando os direitos do corpo social, em sua totalidade, são homogeneamente desfrutados. Todavia, no contexto hodierno, a passividade do Estado distancia a camada popular dos direitos constitucionalmente garantidos, à medida que corrobora com a alienação moral dos cidadãos. Dessa forma, enquanto a máquina pública negligenciar suas responsabilidades, o problema perdurará e os direitos continuarão a ser mutilados de forma sistemática.
Ressalta-se, ademais, que o silenciamento social potencializa esse cenário.
Nesse viés, segundo a filósofa existencialista Simone de Beauvoir, "o mais escandaloso dos escândalos é que nos habituamos a eles." Diante de tal exposto, habituar-se a essa problemática presente constantemente na realidade, é a prática mais escandalosa de todas. Em decorrência disso, mantém-se o quadro de ausência de ações sociais efetivas no que tange à reversão desse contexto, fragilizando, com isso, a cidadania plena no país. Deste modo, é imprescindível combater o silenciamento social, visto que é uma das causas fundamentais do problema.
Diante do exposto, denota-se a urgência de propostas governamentais que alterem esse quadro. Portanto, cabe ao Estado - em sua função de protetor do bem-estar social, promover medidas de transparência de governo, mediante disponibilização de informações nos meios midiáticos. Tal ação terá como finalidade a legitimidade dos fatos em prol da coletividade. Assim, a luz da perspectiva de Saramago, poderemos mitigar a cegueira moral que permeia essa questão.